Insights

Compliance e os riscos Psicossociais nas Organizações

Por:
Jessica Gomes
Equipe unida conversando
Onda de transtornos mentais pós-covid-19 afeta o mundo corporativo e traz desafios no cenário do mais “novo normal”
Destaques

As ações no âmbito corporativo podem não ser a única e/ou principal causa dos transtornos que afetam a saúde mental, mas as empresas precisam atuar nesta pauta, afinal o mais valioso ativo de uma Companhia é composto por pessoas, seus colaboradores que diariamente entregam resultados.  Por essas razões, o Compliance possui um papel estratégico, contribuindo ativamente na criação de um ambiente mais saudável e seguro. 

O trauma pós-pandemia nas empresas está vindo à tona 

O estresse pós-traumático (TEPT) relacionado à pandemia de COVID-19 é um fenômeno amplamente documentado e estudado desde sua origem (2020). A pandemia representou uma crise global de saúde pública, mas também uma crise social, econômica e psicológica.

Estudos e dados relevantes mostram o impacto coletivo deste cenário: 

  • Estudo publicado na The Lancet Psychiatry (2021) estimou que 1 em cada 3 sobreviventes da COVID-19 apresentava algum transtorno neurológico ou psiquiátrico nos seis meses após a infecção. 
  • No Brasil, pesquisas da Fiocruz e da USP indicam aumento expressivo nos casos de ansiedade, depressão e TEPT, especialmente em grandes centros urbanos. 
  • A OMS reconheceu, desde 2022, o impacto da pandemia como um “evento traumático global”. 

Neste contexto, podemos constatar que o TEPT pós-covid está ligado ao aumento de afastamentos do trabalho por razões de saúde mental e as empresas estão sendo desafiadas a rever suas políticas de saúde mental e bem-estar, promovendo ambientes mais empáticos, flexíveis e seguros. 

A ansiedade e saúde mental dos brasileiros

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019 o Brasil registrou o maior número de pessoas vivendo com transtornos de ansiedade, com 18,6 milhões de brasileiros — cerca de 9,3% da população — frente à média mundial de 3,6%. 

Essa mesma análise da OMS indica que, além da ansiedade, o Brasil também liderava, embora em posição menos destacada, em número de casos de depressão, sendo o quinto país com maior número de casos. 

Considerando os efeitos colaterais destes fatores no âmbito corporativo, vemos que a quantidade de afastamentos laborais por questões vinculadas à saúde mental, por exemplo, segue numa crescente inédita. A alta incidência de afastamentos relacionados a transtornos mentais, como a ansiedade, não é apenas um desafio de saúde pública, mas também um fator de risco corporativo. 

Empresas que negligenciam a saúde mental de seus funcionários podem enfrentar não apenas uma queda na produtividade, mas também um aumento nos custos com rotatividade e até mesmo processos trabalhistas. 

Portanto, uma abordagem robusta de compliance deve incluir programas de bem-estar e saúde mental, que não apenas estejam em conformidade com a NR-01, mas que também sejam proativos em identificar e mitigar fatores de riscos psicossociais. Isso inclui desde a promoção de um ambiente de trabalho mais saudável e inclusivo, até a criação de canais de comunicação abertos e seguros para que os colaboradores possam buscar ajuda sem medo de estigma ou represálias. 

Redes sociais: na vida real nem tudo é perfeito  

A velha frase “a grama do vizinho sempre parece mais verde” continua atual. Vivemos em uma era em que as redes sociais moldam a forma como enxergamos o mundo e, muitas vezes, a nós mesmos. Rolamos por feeds repletos de sorrisos, viagens, conquistas e momentos aparentemente perfeitos. Mas é importante lembrar: o que vemos online é apenas um recorte, cuidadosamente selecionado, da vida das pessoas. 

A maioria compartilha os melhores momentos, aquele jantar especial, a promoção no trabalho, a viagem dos sonhos. O que raramente aparece são os dias comuns, as inseguranças, os fracassos, o cansaço ou a solidão. Isso não significa que essas coisas não existam, apenas que não são compartilhadas. E talvez esse recorte possa amplificar a sensação de ansiedade ou até mesmo depressão de quem navega por esse universo. 

Essa curadoria constante pode criar uma ilusão de perfeição e nos levar a comparações injustas. Podemos começar a achar que estamos ficando para trás, que nossa vida é menos interessante ou menos feliz. Mas a verdade é que todos enfrentam desafios, mesmo que eles não estejam visíveis na tela. 

Por isso, é essencial praticar o olhar crítico e a empatia. Lembre-se: a vida real é feita de altos e baixos, e tudo bem não estar bem o tempo todo. O feed pode ser bonito, mas a vida de verdade é muito mais complexa e, justamente por isso, mais humana. 

Compliance também é cuidado, e não apenas controle

Nos últimos Congressos de Compliance, reuniões e eventos realizados no Brasil se observa a repetição de uma pergunta: “Como as empresas estão tratando o bem-estar dos seus colaboradores?” Os líderes de Compliance vêm sendo cobrados por tratativas cada vez mais humanizadas, acolhimento e acompanhamento do time e ações em conjunto com Recursos Humanos além das pesquisas de clima. 

Tradicionalmente associada ao controle e à conformidade legal, a área de Compliance tem expandido seu papel dentro das organizações. Mais do que garantir que normas e regulamentos sejam seguidos, o Compliance moderno atua como instrumento de cuidado com as pessoas, contribuindo diretamente para um ambiente de trabalho mais saudável, ético e acolhedor. 

Essa transformação é especialmente relevante diante das novas exigências da NR-01, que, desde 2025, passou a exigir a identificação e o gerenciamento de riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO).  Isso inclui fatores como assédio moral, metas excessivas, jornadas extensas, conflitos interpessoais e falta de suporte emocional, todos elementos que impactam diretamente o clima organizacional e a saúde mental dos colaboradores. 

Nesse contexto, o Compliance pode atuar juntamente a áreas como Recursos Humanos, Saúde Ocupacional e Psicologia Organizacional, promovendo ações que vão além da prevenção de infrações.

Entre essas ações, destacam-se:

  • Canais de denúncia humanizados, com escuta ativa e encaminhamento adequado de conflitos;
  • Treinamentos sobre ética, respeito e saúde mental, integrando esses temas à cultura organizacional;
  • Monitoramento de indicadores de clima e bem-estar, com foco na prevenção de riscos psicossociais;
  • Promoção de uma cultura de integridade, onde o cuidado com as pessoas é um valor central. 

Ao assumir esse papel ampliado, o Compliance deixa de ser visto apenas como um “guardião das regras” e passa a ser reconhecido como um aliado estratégico na construção de ambientes mais humanos, seguros e produtivos. Essa abordagem não só fortalece a reputação da empresa, como também contribui para a retenção de talentos, redução de afastamentos e aumento do engajamento. Em um mundo corporativo cada vez mais atento à saúde mental e ao bem-estar, cuidar das pessoas é, também, estar em conformidade. 

Casos práticos e boas práticas

Guia Prático da Grant Thornton destaca diversas estratégias que vêm sendo adotadas por empresas para se adequarem à nova NR-01 e, ao mesmo tempo, fortalecerem sua cultura organizacional:

  • Mapeamento de riscos psicossociais com apoio do Compliance - Empresas têm integrado o Compliance ao processo de diagnóstico dos riscos psicossociais, utilizando ferramentas como inventários de clima organizacional, entrevistas sigilosas e análise de denúncias internas para identificar padrões de risco.
  • Canais de denúncia humanizados e com retorno estruturado - O Compliance tem aprimorado seus canais de escuta, garantindo acolhimento, confidencialidade e encaminhamento adequado de casos de assédio, discriminação ou abuso de poder.
  • Treinamentos integrados sobre ética, saúde mental e segurança psicológica - Algumas organizações estão promovendo capacitações conjuntas entre Compliance, RH e Saúde Ocupacional, abordando temas como empatia, comunicação não violenta e prevenção de assédio.
  • Indicadores de integridade e bem-estar - Empresas inovadoras estão criando dashboards que cruzam dados de clima, rotatividade, absenteísmo e denúncias, permitindo uma visão integrada dos fatores que afetam o bem-estar dos colaboradores.
  • Apoio à liderança para gestão ética e emocionalmente inteligente - O Compliance tem atuado na formação de lideranças conscientes, que saibam reconhecer sinais de sofrimento psíquico e conduzir suas equipes com respeito e equilíbrio. 

Compliance como Cultura de Cuidado

Essas práticas mostram que o Compliance pode e deve ser um instrumento de cuidado com as pessoas, alinhado às diretrizes da OMS, OIT e da própria NR-01. Ao atuar de forma preventiva e colaborativa, ele contribui para um ambiente onde ética, saúde mental e desempenho caminham juntos. 

Em vez de ser visto como um “fiscal das regras”, o Compliance passa a ser reconhecido como guardião da integridade organizacional, promovendo não apenas conformidade, mas também valores como respeito, escuta e pertencimento. 

Em resumo, alinhar a gestão de compliance às necessidades de saúde mental não é apenas uma tendência, mas uma necessidade crítica para as empresas que desejam prosperar em um cenário cada vez mais desafiador. Assim, garantimos um ambiente de trabalho mais seguro, ético e produtivo, beneficiando tanto os colaboradores quanto a organização como um todo. 

A ética organizacional do futuro vai além da conformidade com leis e regulamentos. Ela passa por reconhecer a dor invisível, mitigar os fatores de risco psicossociais e construir espaços onde integridade também significa segurança emocional. É tempo de agir, não apenas como profissionais de compliance, mas como pessoas que apoiam umas as outras.