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Valuation de startups: trazendo ciência para um universo de incertezas

Rodrigo Nigri
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Recentemente, ganhou grande visibilidade uma carta circulada pela incubadora americana Y Combinator, informando a sua comunidade e suas investidas que se planejem para um ambiente desafiador nos próximos meses, e que aproveitem oportunidades de financiamento ainda que com uma valuation inferior a rodadas anteriores.

Na mesma toada, diversas companhias startups disruptivas e fintechs que realizaram abertura de capital nos últimos anos viram seu valor de mercado derreter, chegando a valer um décimo ou um quinto de sua valuation inicialmente atingida na data do IPO.

No cenário atual, com fatores como a subida dos juros americanos e a guerra da Ucrânia, os investidores parecem estar mais céticos e seletivos, trazendo grande volatilidade e retração no mercado de venture capital e consequências diretas para a valuation das startups. Neste artigo, buscamos trazer alguns elementos importantes no processo de valuation destas companhias.


Determinar o valor de uma startup pode ser um desafio – Como devemos enfrentá-lo?

Frequentemente empreendedores precisam estabelecer o quanto será cedido de participação para investidor em determinado aporte, e os investidores, por sua vez, precisam avaliar e tomar decisões sobre o seu próximo empreendimento e seu portfólio de investidas. Geralmente, o valuation de qualquer ativo financeiro ilíquido é baseado em seu fluxo de caixa projetado, descontado a uma taxa que reflita o risco inerente àquele negócio ou ativo. Buscando ser assertivo e aprimorar a aplicabilidade especialmente nas empresas denominadas startups e em estágio inicial de suas operações, entretanto, é necessário um especial cuidado na seleção de metodologia, restrições e verificações adicionais.


Ciência: o dilema do fluxo de caixa

A maioria das startups compartilham as mesmas características: são inovadoras, baseadas em uma ideia (a qual provavelmente gerará efeitos disruptivos no mercado); e estão fundamentadas em tecnologia de ponta. Ademais, existe uma confiança substancial no empreendedor, que se dedica para tornar sua grande ideia em realidade. Persistência e agilidade são também imprescindíveis para acompanhar essas mudanças dinâmicas no mercado.

Essa combinação de inovação e empreendedorismo, por sua vez, apesar de serem o diferencial competitivo e força motriz destas empresas, trazem incertezas significativas para o fluxo de caixa esperado destes negócios.

Todas essas variáveis tornam o processo de valuation de uma startup um grande desafio. Não somente devido à falta de dados de projeções históricas, mas também pela dificuldade em avaliar um produto e um serviço que implica em uma nova maneira de fazer as coisas.


O desafio de valorizar: a análise do investidor de risco (venture capital)

Em conversas e palestras com investidores de venture capital, frequentemente quando questionados sobre como avaliam as companhias e decidem em quais delas investir, mencionam que o fazem baseado em aspectos subjetivos, como qualidade do empreendedor e seu time de execução, e pelo potencial de escalabilidade esperado para o produto.

Num ambiente de negócios inovador e disruptivo, a aplicação direta das ferramentas tradicionais de avaliação (tais como fluxo de caixa descontado ou múltiplos) podem não ser a forma mais adequada de compreender plenamente o valor de uma empresa em seu estágio inicial. Tanto o investidor quanto o empreendedor podem considerar informações qualitativas para ajudar a avaliar o negócio, embora esteja envolvido muito julgamento subjetivo:

  • a capacidade do empresário para implementar a ideia e desenvolver o produto, bem como seu perfil de mercado
  • capacidade de escalabilidade do produto e empresa
  • compatibilidade entre investidor e empreendedor
  • fase de maturidade dos negócios
  • os riscos da tecnologia
  • probabilidade de uma saída lucrativa


Diante de tanta subjetividade, como eu sei se esses modelos são os corretos para meu negócio?

Não existe uma metodologia de avaliação única que se aplique para os todos os tipos de startups. Uma avaliação sólida deve ser baseada em um modelo que combine as abordagens financeiras convencionais com uma metodologia mais qualitativa, onde se baseia em um risco que se adapte ao mercado e o estágio do ciclo da vida do negócio. Startups representam sempre um desafio para avaliações precisas. Entretanto, o uso de combinação de metodologias pode resultar em um valor mais exato.

No processo de aplicação das diferentes metodologias para os casos de startsups, pontos de atenção devem ser endereçados e observados. Listamos abaixo de forma ilustrativa e não exaustiva alguns dos principais deles.

Para melhor organização dos temas pautamos as considerações a partir das metodologias mais habitualmente utilizadas: Custo histórico; Múltiplos de empresas comparáveis de transações comparáveis; e Fluxo de Caixa Descontado:

> Custo Histórico / Transação Recente

Metodologia aplicável especialmente quando a companhia está ainda em estágio de início das operações ou pré-operacional, e para companhias que foram objeto de rodadas de investimento ou transações recentes.

Limitações

  1. Atentar para cláusulas de diluição e rodadas posteriores realizadas na companhia objeto;
  2. Necessário analisar se a recuperabilidade e os fundamentos da transação estão mantidos ou apresentam evolução (atingimento de principais milestones, entrega de MVP, quantidade de usuários, ambiente regulatório etc.);
  3. Em casos em que o investimento ou transação ocorreram há certo tempo, esta metodologia pode não ser mais aplicável.

> Múltiplos (empresas comparáveis / transações)

Abordagem aplicada para companhias que já apresentam fundamentos financeiros históricos ou operacionais como dados de usuários ativos. Aplicável também a companhias que possuam base de comparáveis e cujo negócio não seja extremamente novo ou disruptivo.

Limitações

  1. Falta de comparabilidade por fase: importante adequar a amostra a companhias em estágios similares ou o mais próximos possível em termos de maturidade;
  2. Falta de comparabilidade por característica do negócio: startups são em regra negócios disruptivos o que tende a gerar limitações quanto a existência de comparáveis aderentes;
  3. Base para aplicação de múltiplos: a depender da fase do negócio, mas principalmente em ativos early stage, não há sequer receita quando em fase de desenvolvimento de produto ou o EBITDA é negativo nos casos em que ainda não atingiu o ponto de equilíbrio (break-even);
  4. Múltiplos de entrada podem ser boas referências, contudo, podem perder razoabilidade à medida que a data do investimento se afasta da data-base da avaliação.

> Fluxo de caixa descontado

A abordagem da renda, sendo sua metodologia mais conhecida o fluxo de caixa descontado, acaba sendo amplamente utilizado para avaliação de startups pois, teoricamente, reflete em seu valor o plano de negócios e a expectativa de geração de rentabilidade pela companhia. Todavia, diante de diversos pontos já elencados, é necessário adequar esta metodologia a cenários que possam ser verificados e minimamente comprovados.

Adicionalmente, é importante ter em mente a potencial necessidade de aplicação de múltiplos cenários para a avaliação de uma companhia pelo fluxo de caixa descontado. Nesse modelo, são projetados mais de um possível desdobramento para o negócio e tecnologia (otimista, base e pessimista ou também crescimento exponencial, plano de negócios, conservador e abandono) sendo que são atribuídas probabilidades a estes cenários.

Esta adaptação visa refletir na análise de fluxo de caixa o maior risco existente na execução do plano de negócios de uma startup, bem como demonstrar no processo de avaliação os possíveis desdobramentos

Pontos de atenção:

  1. Falta de dados históricos observáveis;
  2. A previsão de lucros e fluxo de caixa, em particular com uma abordagem crítica bottom-up ou top-down, no que se diz respeito ao potencial de mercado da empresa;
  3. Falta de comparabilidade com desempenho de participantes de mercado (difícil criação de benchmark);
  4. Taxa de desconto calculada via WACC ou CAPM pode não capturar risco de startups. Estudos divulgados pelo American Institute of Certified Public Accountants (AICPA) sobre taxas de retorno exigidas por investidores de venture capital e estudo similar anualmente publicado pela ABVCAP / Insper / Spectra trazem balizadores para riscos esperados e apropriados;
  5. O valor de saída e, se for utilizado um valor terminal, suposições razoáveis sobre fluxos de caixa crescendo em perpetuidade.

Observamos que todas as metodologias de avaliação quando aplicadas ao contexto de startups possuem seus prós e contras. Nesse contexto, elencamos abaixo algumas recomendações não exaustivas e não impositivas de forma a melhor capturar o valor justo destes empreendimentos:

  • Ter em mente a possibilidade de utilizar o valor de custo / rodada de investimento como melhor estimativa de valor justo;
  • Aplicação de múltiplas abordagens, como fluxo de caixa e múltiplos;
  • Ao aplicar a abordagem da renda, considerar a adaptação para multicenários;
  • Realização de sanity check de resultados obtidos com estudos de retornos no setor de Venture Capital


Avaliação no ambiente regulatório CVM / Investidas de Fundos de Investimento

Recentemente vimos no mercado brasileiro uma forte expansão no investimento em companhias classificadas como startups, mercado conhecido como Venture Capital.  No ano de 2021 o investimento em capital de risco, especialmente voltado para startups, alcançou nível recorde, confirmando a tendência do mercado de capitais em diversificação e apetite a risco em busca de maiores retornos.

Muitos destes investimentos foram realizados por meio de Fundos de Investimento em Participações (FIP’s), os quais são regulados pela CVM, a qual determina por meio da ICVM 579 que os FIP’s classificados como Entidade para Investimento precisam realizar a marcação a mercado ao menos uma vez por ano.

Diante da citada normativa ICVM 579, temos algumas orientações específicas sobre as avaliações, que nos chamam a atenção quando aplicáveis ao universo das startups, especialmente os parágrafos 3º e 4º, conforme reproduzidos abaixo:

  • 3º A mensuração do valor justo dos investimentos deve ser estabelecida em bases consistentes e passíveis de verificação.
  • 4º Nos casos em que o administrador concluir que o valor justo de uma entidade não seja mensurável de maneira confiável, o valor de custo pode ser utilizado até que seja praticável a mensuração do valor justo em bases confiáveis, devendo o administrador divulgar, em nota explicativa, os motivos que o levaram a concluir que o valor justo não é mensurável de maneira confiável, apresentando conjuntamente um resumo das demonstrações contábeis condensadas dessas investidas.

Neste contexto, quando a companhia objeto está ainda no estágio pré-operacional, dentre as abordagens de avaliação existentes a avaliação pelo custo histórico pode ser a mais indicada, tendo em vista que não é possível mensurar de forma confiável suas projeções financeiras ou, tampouco, seu histórico de resultados. Todavia, mesmo a aplicação do custo histórico possui alguns pontos de atenção.

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